o grande nada

Pensamentos, confissões, teorias, dia-a-dia. Palavras palavras palavras. E o que mais...? Só. No fundo é só isso e mais nada. O que significa?

Sunday, March 21, 2004

Outro dia eu me apaixonei.

Foi o momento mais puro e lindo da minha vida nos últimos meses, e isso me fez repensar tudo. Percebi que não sinto mais muita coisa, que o mundo não deixa, e isso não pode ser considerado uma vida. Trânsito, ônibus, São Paulo e faculdade de segunda a sexta, com direito a uma pausa de meia hora na quinta para sentimentos. E o fim-de-semana para sair mais e encontrar outras pessoas fugindo de segunda a sexta.

Quero ficar presa àquela meia hora para sempre e viver com o coração cheio de tantas coisas a toda hora.

Ele entrou no ônibus, lá pelo km 14, não lembro direito. Entrou com uma menina, supus que estivessem juntos então não reparei muito. Notei, porém, enquanto ele pagava pela passagem, que era alto, se vestia bem e que era meio atrapalhado. Passou pela catraca. O ônibus ainda estava vazio. Ele sentou do meu lado, no primeiro banco, sem ao menos olhar direito para os outros lugares. Eu, com a mão no assento vazio, dei espaço para ele sentar quando se aproximou, mas não pude evitar a cara de boba distraída que fiz quando ele me olhou. Rimos. Ele sentou. E não estava com a menina.

A viagem foi curta, 9 km na Raposo, no máximo, mas foi atemporal. O tempo não se moveu, nem os carros ao nosso redor, nem a estrada lá fora. Melhor: a estrada, os carros e as pessoas se moviam, mas não fazia muita importância, porque era como se o tempo em si tivesse parado. Sentada ao lado dele, eu sentia. O seu perfume, o leve calor que emanava de seu corpo, aquela ânsia que brotava dentro de mim e que me inflava até o ponto que me dava a impressão de que eu não aguentaria mais e explodiria em mil pedaços aqui dentro. Eu levitava internamente a cada olhar tímido que ele dava em minha direção, daqueles de canto de olho, e ao mesmo tempo desviava com vergonha a cada vez que nossos olhos quase se encontravam no espaço. Foi um jogo de olhares extremamente pueril e engraçado para o espectador inexistente. Seus olhos azuis tinham uma forma única, ao mesmo tempo puxados e escondidos, moldados sob sobrancelhas protetoras e serenas e acompanhados de uma pinta tão ela-só que só ela. As mãos largas mexiam distraidamente no fecho da mochila preta, combinando com a roupa social. A mochila e a roupa social preta só combinavam porque estavam nele. Ele combinava. Era alto e de cabelos claros e curtos e com gel, e a roupa preta social e a mochila e os olhos azuis e o jeito tímido mas confiante e eu seriam uma ótima combinação, eu juro!

Como a vida é uma criança sarcástica que adora brincar comigo, o meu ponto chegou. Olhei pra ele, pedi licença e ele respondeu "toda", num tempo levemente mais rápido do que o normal e se encolheu para que eu passasse. Fui para o fundo do ônibus, de onde fiquei olhando para ele ao esperar para descer. Ele não olhou para trás, mas também não sentou no meu lugar, para que fosse mais fácil para alguém se sentar ao lado dele. Ele sorriu e eu sorri, e foi assim que não o vi mais.

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